Ana Elisa | Book Feminino

A Ana Elisa é uma pessoa muito querida para mim.

Ana Elisa é escritora bacana demais e pessoa  conhecida em Belo Horizonte por sua competência quando o assunto é linguagem, tecnologia e um monte de outros assuntos que eu nem me atrevo citar.

E é também mãe, mulher, profissional, amante, guerreira, assim como eu e tantas outras que matam um leão por dia, mas sempre com muita leveza.

Quando fiz suas fotos pedi a ela que escrevesse um texto para o blog. Um texto simples em que ela pudesse falar sobre o ensaio.

Para mim, é uma honra tê-la aqui.

Com a palavra, Ana Elisa Ribeiro:


“Eu quero você como eu quero”

Ana Elisa Ribeiro

Na casa onde eu cresci, fotografia era algo importante. Tudo o que a fotografia podia representar era importante. O registro dos momentos, a revelação, a formação do álbum, a organização das fotos nas páginas, a datação, a descrição do evento e, depois, o momento mágico de mostrar as fotos aos amigos, parentes e namorados. As fotos não nos chegavam avulsas, presenteadas por conhecidos. Elas eram tiradas pela minha mãe, que tinha uma câmera Olympus da qual se orgulhava. Ter uma câmera e tirar as melhores fotos possíveis era um cuidado com o tempo: com o presente, o passado e o futuro. Não era banal. Não era apenas “bater foto”. Era agir sobre a memória e o memorável. Cresci com essa noção de registro fotográfico – tenho câmera desde nova – e é comum que eu seja a única pessoa que tem fotos do pessoal da escola, da turma da rua, etc. Hoje em dia, embora isso seja banal, as fotos são virtuais... não sei se sobreviverão ao tempo e aos softwares, ao ponto de se tornarem registros duradouros.

Naquela época, que não vai tão longe, era necessário saber sobre filmes e o processo da fotografia. A palavra “revelação” diz muito sobre a espera para conhecer a foto, que não aparecia de antemão no visor. O clique do fotógrafo era único, um tiro planejado. O olhar do fotógrafo precisava ser previdente. A revelação demoraria e, depois dela, a foto seria conhecida. Não era possível selecionar previamente. A edição do álbum vinha depois, com a escolha dos registros mais bonitos, com menos olhos fechados e mais poses apresentáveis. Era o projeto da foto, a espera, a alegria ou a decepção. A cópia de presente, a colagem no álbum. Vamos ver? Um evento.

Foi assim, em grande medida, que conheci e compreendi a fotografia. De toda forma, ainda que a maioria delas fosse posada, montada e falsa, até, sempre preferi a foto espontânea; o riso, a conversa, o movimento daqueles que não percebiam bem o clique, que não se viravam, obrigatoriamente, ao fotógrafo, e não se rendiam a uma alegria forçada. Mas a foto espontânea é rara, difícil, aleatória. Constrangemo-nos um pouco quando vemos a câmera. Sorrimos diferente e murchamos a barriga. Conseguir fotos espontâneas é uma arte.

Que noção temos da fotografia? Certamente, o registro e a memória estão entre os elementos que nos interessam, mas estão, também, as ideias de compor um quadro com as melhores roupas, as melhores poses, o melhor ângulo (não é assim que dizemos?) e as cores que não temos, naturalmente. O fotógrafo trabalha com a luz, com o enquadramento, mas também com a poesia e a construção da imagem. A imagem não esta lá. Ela é montada, produzida, composta. A escolha de um modo de fotografar ajuda a construir um registro. E como nos conhecerão no futuro?

Quando pedi ao Estúdio Imaginário que fizesse um ensaio fotográfico de minha relação com meu filho, fiz questão de frisar que gostaria de registrar o ar que nos une no dia a dia. Não queria meu filho com as melhores roupas – as que ele quase não usa – e nem com o cabelo – que ele deixava crescer – escovado. Não queria aquele tênis novo que ele detestou. Eu queria compor um álbum do meu filho meio louro, descabelado e risonho com que lido todos os dias, pelos corredores de casa, de bermuda colorida e chinelo. Da mesma forma, eu buscava um registro dos beijos que realmente nos damos, dos abraços que trocamos e das brincadeiras que fazemos quando estamos juntos. Não na foto, mas na vida.

Pedi ao Estúdio Imaginário que não me produzisse. É claro que reconheço a beleza do artifício em uma mulher, a cor, a valorização do olho, da boca, do cabelo, do ângulo. Mas eu não queria “aparecer na foto” como eu não sou, para mostrar aos outros quão bonita eu poderia ficar. Esse talvez seja um fetiche de grande parte de nós, que queremos nos parecer com “modelos”. Pode ser útil, mas não era minha intenção. Eu queria um registro do meu cabelo cheio de fios brancos, da marca de expressão quando eu sorrio e dos olhos amendoados naturais. Queria meu jeans, meu All Star e meu relógio mais querido – não aquele que uso em casamentos, mas aquele de que mais gosto no dia a dia. E foi o que aconteceu. Eu e meu filho corremos, brincamos, dançamos, nos deitamos na grama, nos abraçamos e conversamos muito. Nós e a Adriana Gonçalves.

No ano seguinte, voltei ao Estúdio Imaginário para uma nova sessão de fotos. O espírito era o mesmo: um registro da nossa vida ao final de mais um ano. Desta vez, a ideia era fazer o ensaio na minha casa, com nossas estantes de livros, nossos brinquedos e nossa atmosfera usual. Funcionou, de novo. Sem muita produção, fotografamos momentos de alegria e bate-papo; eu ensinei meu filho a escrever – meu ofício – e ele me ensinou a lutar. Lemos um para o outro sentados sobre nossa coberta de sempre.

Em uma segunda etapa do ensaio, o Estúdio Imaginário resolveu me revelar. Não era me “transformar”, como dizem por aí. Era apenas fotografar o que eu só sou em casa. Com meu cabelo meio despenteado, solto, minha camiseta branca, de pés descalços, fizemos uma bateria de fotos mais naturais, na brincadeira sensual com uma máquina de datilografar, uns livros e uns óculos. Até um sobretudo e um coturno – que eu uso – entraram na brincadeira. E o resto ficou por conta da luz, da lente e do olhar da Adriana Gonçalves, que criou uma atmosfera suave e poética para o ensaio. Está ali a mulher que eu sou na intimidade.

Minha preocupação é a seguinte: quando envelhecermos todos ou mesmo quando nos formos deste mundo, há de haver um registro do que realmente fomos, para que as pessoas queridas – como meu filho e meus netos – possam dizer: “eu me lembro dela deste jeitinho assim. Vejam como éramos mesmo lindos!”.















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